Pessoas,
A expectativa era grande, ainda mais porque decidimos fazer uma poupança. Hein? Sim, poupança. Porque é caro pra cacete e demoramos tanto a ir justamente porque sempre dava aquela dor no peito em deixar centenas de reais por uma noite de alegria. Então, passamos alguns meses depositando 100 legais na poupança e quando chegamos no montante necessário fomos sem nem pensar em valores.
Optamos pelo menu completo, com 5 pratos e 5 taças de vinhos, harmonizadas. Não é comida pra caramba, apesar de encher bem, mas é bebida pra cacete. Se a Bolacha completar 10 anos e voltarmos lá, talvez peça o menu reduzido, com 4 ou 3 pratos, ou o menu sem vinhos. As taças são bem servidas, é bebedeira na certa!
O restaurante fica lá no setor de mansões do Lago Norte, num terreno de embasbacar qualquer um. As poucas mesas ficam entre a cozinha, aberta e acessível, e uma vista exuberante do lago e de Brasília. Uma pena aquele lugar não funcionar no fim de tarde, porque o por do sol visto dali deve ser tudo e mais um pouco. No inverno, eles funcionam numa sala interior com lareira e uma parede de vidro com vista pro lago. Romance....
Fomos numa quarta-feira, com a casa bem vazia. Além de nós, só havia um outro casal. Tinha mais gente trabalhando que gente comendo. O atendimento, então, foi espetacular (acredito que seria mesmo com a casa cheia). O Vicente nos deu toda a atenção, sem parecer chatão, nos levou na horta, nos disse onde estava o Simon Lau (e era na Dinamarca, comprando quitutes para o menu da páscoa), contou que trabalha também na embaixada do Japão. Foi bem agradável.
A prova de que curto gastronomia está nessa visita ao Aquavit: não curto porco nem aves. O que tinha no menu da vez? Porco e ave. Mas, já tava combinado de ir em março, eu tava louca de curiosidade há séculos de ir lá, então fui assim mesmo. Também a expectativa de me surpreender com algo que usualmente não como usualmente foi estimulante. Afinal, de que eles sabem fazer um filet alto mal passado delicioso, e que eu iria amar, não tenho dúvidas. E se não for assim eu prefiro não saber :) Então, que venha o porco e a codorna. E se eu não gostar, dane-se. A poupança foi justamente pra não pensar em cifras.
Dica: pra quem pretende ir, é essencial cadastrar o e-mail no site para receber os textos do chef explicando o novo menu. Ele dá detalhes da preparação, diz onde busca os ingredientes. Torna a visita muito mais interessante. Vou postar em fonte itálico cinza os trechos do chef referentes aos pratos que provamos.
Vamos à comilança!
Primeiro pães da casa com manteiga trufada. Deliciosos. Manteiga com textura de maionese e sabor próprio que não sei explicar. Num dos tipos de pão, a flor de sal dava um up, e quando encontrava com a manteiga era uma alegria.
A seguir, terrine de lagosta com gelatina de mexilhões, sorvete de abacate com pimenta, sorbet de grapefruit e farofa de peta. O sorvete de abacate não era apimentado. A pimenta da descrição é esse traço vermelho sobre o verde. De interessante aqui, o sorbert de grapefruit foi feito para ser comido com o sorvete de abacate. Este, cremoso, acalmava aquele, ácido e amargo. Bem interessante. O terrine, envolto na folha de taioba, estava ótimo e bem colocado entre o grapefruit e o abacate, apesar de parecer estranho. O vinho harmonizado foi Poggio al Tesoro, branco italiano. Gostoso, mas não marcante.
"O primeiro prato é um prato sofisticado de verão, tropical e servido frio. Terrine de lagosta feita com gelatina de mexilhões e acompanhada de sorbet de grape fruit, sorvete de abacate e farofa de peta. Eu sei que muitas pessoas têm restrição a grape fruit, que é fruta amarga e ácida. Mas, junto com o cremoso abacate fica tudo super balanceado e dá um ótimo fundo para a marítima terrine."
Depois, sopa de tucupi com pescadinha assada e sagu, temperada com cebolinha e pimenta de cheiro, sob crosta de mandioca, com o vinho Leyda, Sauvignon Gris, branco chileno. Pessoas, esse prato foi o must. Chegou assim:
Essa coisa preta é a crosta de mandioca, feita com peta e tingida com tinta de lula. Parecia um biscoito: gostosinho, crocante e salgadinho. Lembra vó. Quando a gente retirou a crosta, ficou assim:

"O ingrediente principal do segundo prato é o tucupi, que me fascina cada vez mais com seu sabor tão, tão agradável - gostosamente ácido, temperadinho e único. Desta vez, o tucupi ganha lugar de destaque em forma de sopa feita à base de fumet de espinha de peixe, como no tacacá. Leva, ainda, um pouco de sagu para dar substância e beleza e um pedaço de pescadinha assada no forno, como a gente faz na Dinamarca: rapidinha, só ate branquear. Para acompanhar, peta crocante tingida com tinta de lula."
Super fofo! E delicioso. Que caldinho!!! Não conhecia o tucupi, mas já me apaixonei. Caldinho com peixe, caldinho com a crosta de mandioca. E o sagu (está no fundo do prato) deu aquela incrementada, por causa da textura e da brincadeira de mastigar bolinhas. E o caldo. E o peixe. E a crosta de mandioca! O vinho agradou, mesmo sendo branco. Não era tão frutado, acho. Na verdade, as memórias dos vinhos foram desprezadas.
O prato seguinte: carne de barriga de porco cozida sous vide, com geléia de cajá-manga, vinagrete de mostarda, batatas cozidas e redução de porco, com o vinho Remhoogte, Roland Collection, tinto africano. Esse vinho lembro que gostei muito: forte, encorpado, tinto...minha cara.
Quanto ao porco. Não sou fã de porco. Inclusive, quando recebi esse menu entrei em contato pedindo maiores explicações. Fala sério: tem nome mais feio que carne de barriga de porco?? Não, não tem. Só pensava numa lapa de bacon dessa altura!
Mais calma com a resposta do restaurante, fui com tudo. Gostei bastante. O sabor do porco, obviamente, estava lá. Mas ficou bem colcoado com a geléia de cajá-manga. Por outro lado, o vinagrete de mostarda acalmava o "ranço" do gosto da carne de porco, que é o que eu não gosto.
"O porco caipira de Goiás, aquele com carne vermelha e suculenta, que só se alimentou de milho e soro de leite, é provavelmente o que eu vou pedir para comer antes de me apresentar ao pelotão de fuzilamento.
Vou todas as semanas para Alexânia para comprar a carne da barriga. Carne que, depois: eu ponho em salmoura por 12 horas, cozinho sous vide por mais 12 horas e, na hora de servir, “glaceio” com caldo de porco e sirvo com geléia de cajá-manga. O cajá está na época agora e, com sua acidez e sabor único, faz um contraste super interessante com a carne relativamente gorda. Batatas cozidas e vinagrete de mostarda dão um toque clássico no acompanhamento."
A seguir, codorna desossada recheada, servida com espaguete de palmito, redução de codorna e óleo de salsinha, acompanhada de St. Esprit Côtes du Rhone, tinto francês.
Esse prato eu não curti muito. Primeiro que a forma animalesca me dá um pouco de repulsa, porque realmente sinto pena. Olha que coisa mais bonitinha essa bichinha de perninhas cruzadas....Contudo, o pouco que comi foi interessante, a bem carne macia, o que não ocorre em aves. O espaguete de palmito estava bom, mas sem características marcantes.
Quem deveria falar sobre esse prato era o Vinicius, que comeu ave a vida toda, pois sempre foi a carne principal da casa dele. Tanto que, quando criança, achava que o animal se chamava frango, e não galinha :) Mas, mesmo se eu parasse de beber na quaresma esperando a graça de que ele fizesse isso (um pedaço do post), a chance de acontecer seria ínfima. Então vou contar o que eu vi: um Vinicius alucinado tirando as patas da codorna com as mãos e dando suculentas mordidas na ave. Depois passou pro peito, e nem levantava os olhos. Perguntei: e aí, tá bom? A resposta: putz. Tipo para de falar comigo. Depois do prato limpo, somente com os ossinhos das patinhas, ele disse: fantástico.

"Palmito fresco é outro produto que coloco na categoria “paixão”. Cortado à juliene e refogado um minuto com manteiga e salsinha até ficar al dente dá um suave acompanhamento para as codornas desossadas e recheadas com os miúdos da ave e um pouquinho da minha pimenta de reino verde da horta, que está no ponto de usar. As codornas são cozidas sous vide, também, para deixá-las mais suculentas possíveis. Depois, são bronzeadas na manteiga, na hora de servir."
De sobremesa, Romeu e Julieta: suflê quente de queijo minas, doce de goiaba, sorvete de goiaba e bolinho de chuva. Prato lindo e delicioso. O sorvete tinha o gosto de fruta fresca. Além de tudo, super interessante o queijo em forma de suflê. Adorei. O vinho, Santa Rira, Late Harvest, Moscatel, chileno, doce demais da conta.
"Desde que pus meu pé neste País, amo Romeu e Julieta. Já que estamos na época da goiaba, achei que estava na hora de fazer a minha contribuição para mais uma versão desta maravilha. Não vou contar como a gente faz. Venha e experimente!"
Ao final, chá de hortelã com folhas da horta. Tudo de bom. E também café, com madeleines de limão assadas na hora, servidas quentinhas.
Gostamos bastante, supriu nossas expectativas. Entretanto, cobrarem 5 reais na água acho um abuso. Pô, o menu com 5 taças de vinhos custa 130 legais. Fora o menu dos 5 pratos, por 192 legais. E a água ainda tem que ser por fora? Poderia ser até água de filtro.
Beijocas. Vanessa.